Quando a vida é só para amanhã

Encontro frequentemente na minha vida, grandes donos de fábricas de bolos multimilionárias. Que guardam tudo o que podem, que gerem rotinas perfeitas, que constroem um futuro provido de todo o material que precisam para um conforto da velhice, que pavoneiam o exemplo e se afirmam com a descontração imperiosa do seu lugar, mas que na verdade nem sabem a que sabe os seus bolos, guardados para um amanhã, ou partilhado em montra bem estudada, mas que não poderá ser mexida até ao fim da época e o fecho da cortina.

E depois aparecem os que trazem timidamente os biscoitos no bolso, embrulhados no papel de guardanapo de uma folha, amarrotado qual tímido invólucro caseiro. Biscoitos de marca branca, ou feitos em casa no forno a precisar de reforma. Mas que ao melhor dos impulsos, sem um único piscar de olhos, tiram o biscoito do bolso e partilham tudo o que tem, para tornar aquele momento melhor. Sem pensar que aquele meio biscoito pode faltar nos tijolos do abrigo do amanhã. Mas confiam que vai ser maravilhoso, sem grande alarido sobre o depois, tudo o que importa é o que enche o peito de amor.

Não é de todo a minha intenção falar de biscoitos e bolos. Quando encontrei estas 6 quadriculas semanas atrás, na timeline de alguém que o fez chegar numa rede social, identifiquei de imediato com o que me faz partir o coração, ou recompô-lo em alegria.

Há dias, uma pessoa amiga contava-me orgulhosamente todos os cuidados que tem para uma velhice melhor e eu temi que os seus próximos 40 anos sejam de uma profunda tristeza. Com os detalhes, fiquei com a certeza que vai construir uma fábrica de bolos de boa qualidade, sem que vá provar nenhum, até que um deles seja premiado. E que só aí é permitido uma fatia desse bolo.

Evito verbalizar julgamentos, então não manifestei a inquietação com que fiquei, deixando a minha mente em agitação e triste porque este quadro não encaixa na minha moldura.
Quando me deparo com uma situação destas, lembro-me da fábula que nos fizeram acreditar na infância, que nunca deveríamos ser cigarras e ser sempre formigas à espera do inverno. E assim vamos sendo no nosso contexto social. Amealhando para um amanhã sem fim, não tocando uma única vez a nossa guitarra.

Ora se devemos focar o futuro para nos construirmos enquanto pessoas melhores no presente, seja em que campos da nossa vida, não devemos de colocar a nossa felicidade em stand by até esse momento. E se a fábrica for apanhada por um furacão um tsunami ou outra catástrofe? Ficamos sem saber a que sabem aqueles bolos?

Para mim todos os dias merecem a nossa atenção, os nossos momentos de felicidade, e às vezes temos de cometer loucuras, viver em paixão pelos sonhos, mudar de vida sem receio da montra deixar de ser admirada pelos habituais clientes e que não venham outros, que nos tragam melhores momentos.

Porque podemos transformar os nossos tímidos biscoitos caseiros em saborosos biscoitos de uma pastelaria acolhedora, onde o som das conversas dança com o fumegar do chá, onde nos sentamos à mesa com o cliente deliciado e partilhamos alegrias, elogios e reunimos força para outras receitas de biscoitos.
Porque podemos transformar a fábrica de bolos fria e cinzenta, num lugar atrativo onde experimentamos o que dela é fabricado, e mudamos de vez enquanto a receita, depois de a provar e até lambuzar um pouco na taça da prova.

Podemos viver com a certeza de um dia poder contar aos nossos netos aquela vez em que pusemos pimenta no chocolate, ou coentros nos morangos.
Podemos viver com a certeza que valeu a pena ter deixado as sementes do coração de leão viajarem com a brisa e reencontrar um lugar.
Podemos viver com a certeza de ter ocupado o lugar que era nosso, e não o que nos foi sendo oferecido.
Podemos viver com a certeza de que a nossa felicidade foi mesmo nossa!

Estamos cá hoje. Podemos viver com um pouco de paixão. E não faz mal!
A vida é agora!

Com amor,
Judite <3