A carreira do amor

Cheguei à paragem de autocarro e faltavam 2 minutos, daqueles bem generosos, como só a carris nos sabe presentear e que se multiplicam numa dimensão de tempo bem diferente da que habitamos. Apesar de tudo, estava tudo bem.
A cidade tranquila, o sol a querer espreitar e no banco da paragem um homem e uma mulher, aparentando ambos, muita história de vida, sentados impacientemente como quem finta o inimigo: o horizonte que não revela o transporte ansiado.

Ela, com o seu corpo moldado à idade, um tufo de algodão branco sob um pesado gorro e um sorriso, que arrisco dizer, centenário.
Ele, que apesar de aparentar também uma longa história, revelava ter tido de lutar menos com o tempo.
Olharam um para o outro e em silêncio lamentaram a espera.
Com cumplicidade, pensei eu, de tanta partilha, que apenas o olhar basta para que tudo se revele.

Quando o tão esperado carro chegou, ele, num apoio condicional, ajudou-a no degrau, firmando a sua mão no cotovelo dela. Conduziu-a até ao assento, e sentou-se frente a frente.

E eu, encaminhei-me para a segunda metade do articulado envolta na minha mente agitada.
E assim teria continuado, se algo não me tivesse chamado a atenção.

Numa paragem, ele levanta-se, apoia-a e conduz o seu caminho até ao degrau, até ao degrau do passeio ali ao lado, e regressa à carreira, sem trocarem longas palavras além do tímido agradecimento.

“Oh!” exclamei em pensamento enquanto o meu corpo se colocou direito no banco. Afinal não estavam juntos nos laços que eu determinara.
E tamanha empatia provinha de uma qualquer outra história em comum: os longos anos de vida, as ruas de uma cidade, as vivências de uma história social comum, uma geografia, ou tantas outras possibilidades.

O meu sorriso alargou-se com toda a elástica energia, e no peito senti um agradável arrepio, que se transformou numa alegria infindável.

Ainda existem verdadeiros seres humanos por aí.
Aqueles que ajudam um transeunte pesado a atravessar a estrada,
Aqueles que despem o casaco que os aquece e partilham ao sem abrigo o seu agasalho,
Aqueles que abdicam do seu lanche da jornada laborar e oferecem ao pedinte no metro,
Aqueles que sorriem a alguém que foi abordado por um passageiro mal disposto no elevador,
Aqueles que se levantam no autocarro para ajudar outro ser a seguir o seu caminho.

E se isto não é amor… o que será?

Com amor,
Judite