Prefiro estar só do que estar sozinha

Prefiro estar só do que estar sozinha.

Este mantra foi-se formando e reformulando ao longo da manhã na minha cabeça.
Foi variando o estar no ser, o ser no andar, entre tantas versões.

E enquanto este mantra se foi formulando e intensificando na minha mente, nos afazeres e até perdidos na inercia do tempo que se fez sentir hoje em mim. Um tempo que fui mastigando numa balança entre a culpa do desperdício e o fuir da vida sem pressa, descomprometida.

Sinto a pressão de ter de cumprir com alguns compromissos de hoje e doa próximos dias, e isso dá-me um abanão contrariado.
Preciso de um café, de ir arranjar um plástico para forrar o chão do teambuilding de amanhã, preciso de contar e separar os materiais para as dinâmicas, preciso de terminar de alinhar o guião definitivo para a actividade.

Preciso disso tudo e não tenho vontade de fazer nada disso.

Desmarco reuniões da tarde, porque tenho tudo atrasado, inclusive o que preciso de acertar com a minha equipa, e que pode esperar até segunda-feira.

Tento focar-me. E o mantra repete-se. Ecoa na minha mente.
Entro nas redes. O mundo está (ou será: continua?) mais louco.
O mundo muda rapidamente todos os dias. Nos últimos dias mudou muito.
Comentadores de ódio alinham-se nas bancadas virtuais.

E o mantra repete-se.

Pego na chave do carro, fugindo de casa simbolicamente, como quem foge do drama sentido nas gentes.

Sinto o rosto fechado. Forço um sorriso.
Algumas linhas de texto sobre o estado das coisas, deste drama de fim de ciclo, e do reinício (sim, hoje, 9/9 temos um portal de mudança de tempos) vão formando-se na mente.
Socorrooooooo não quero falar de portais nem mudanças de tempo, nem ciclos.

Sinto-me sufocada pelo profundo que tem sido o chamado dos últimos tempos. E ainda mais por ainda não me ter despedido de tudo o que me está a mais.

Desprendo-me das palavras que se vão juntando (sim, eu escrevo textos como a Beth Harmon planeia jogadas no xadrez)…

‘Foca noutra coisa.’ – forço.

Sinto falta de um sorriso no rosto e penso: ‘é isso que me está a faltar… uma gargalhada.’

Rio durante a viagem. E lembro do melhor mantra que me rege a vida: “não rimos porque somos felizes, somos felizes porque rimos”.

Aquelas palavras amansam. Mas logo vem outro pensamento.

‘Fod*-se! O mundo está assim mesmo porque as pessoas estão com falta de riso.’

E entretanto o novo pensamento funde-se com o anterior.

Porque insistimos em viver em prol do trabalho?
Porque não estamos com as pessoas que amamos, que aumentam o nosso riso, porque ora temos ora tem de trabalhar?

Porque vivemos em prol de um mundo que nos leva a correr atrás de dinheiro para pagar o tempo que vamos atrás do dinheiro?

É insano.
É por isso que as pessoas estão todas maradas da cabeça.

Porque insistimos em ser escravos de nós mesmos?
Vamos deixar isso já! Agora mesmo!

Viemos à terra para evoluir em prosperidade e encontrar o verdadeiro caminho da felicidade.
E a felicidade não é passar a vida a trabalhar nem coisa que valhe.
A felicidade não é dinheiro.

O trabalho deveria ser apenas uma expressão do contributo da nossa alma, através do talento, para ajudar o mundo, toda a gente a prosperar. E nada disso acontece. O prazer virou obrigação. A expressão virou extração.

E o dinheiro substitui a parceria, como desprendimento da responsabilidade do contributo, da troca.

Em que mundo vivemos?

De repente questiono: e se eu não trabalhasse mais.
Relembro os meus ideiais. A minha luta ao patriarcado monogâmico ultra-capitalista.

Depois lembro-me que o meu trabalho proporciona fazer com que as pessoas tenham mais ferramentas para trabalhar melhor e com um sorriso nos lábios.

Sinto-me uma fraude por comparticipar na prisão. Apetece-me gritar a todos eles: “Saiam! Deixem de trabalhar! Isto não faz sentido!!!”

Que antítese. Que tortura interna.

Decidi não pensar mais por agora.
Não consigo mudar o mundo todo num dia.
(Re)convenço-me de que o meu trabalho é um contributo de construção, para minimizar o impacto de toda a restante mecanização.

Entretanto vem mais um pensamento.
A parábola da verdade que li num perfil qualquer, pela manhã:

***

Certo dia, a mentira e a verdade se encontraram.

A mentira disse para a verdade:

– Bom dia, dona verdade!
E a verdade foi conferir se realmente era um bom dia.

Olhou para o alto, não viu nuvens de chuva, vários pássaros cantavam e vendo que realmente era um bom dia, respondeu para a mentira:
– Bom dia, dona mentira!
– Está muito calor hoje, disse a mentira.

E a verdade, vendo que a mentira falava a verdade, relaxou.
A mentira então convidou a verdade para se banhar no rio.
Despiu-se de suas vestes, pulou na água e disse:
-Venha dona verdade, a água está uma delícia.

E assim que a verdade sem duvidar da mentira tirou suas vestes e mergulhou, a mentira saiu da água e vestiu-se com as roupas da verdade e foi embora.

A verdade por sua vez recusou-se a vestir-se com as vestes da mentira e por não ter do que se envergonhar, saiu nua a caminhar na rua.

E aos olhos de outras pessoas era mais fácil aceitar a mentira vestida de verdade, do que a verdade nua e crua.”

***

É isto o que está a nos acontecer.

Recentro a minha atenção no coração.

Silencio o mantra na minha mente.

Na verdade escolher estar só é melhor que viver em tensas relações com pessoas que preferem viver a mentira.

O mantra faz sentido.

Tudo faz sentir.
Mas preciso da minha paz no coração.
O mundo está louco. E eu não tenho tempo para imergir nesta loucura.

Escolho manter a paz.
Olhar para o verde. Respirar fundo.
E participar na mudança do mundo com calma.

Com amor e encontrar um sentido no centro do coração,
Judite